Friday 5 August 2005

Cento-e-tal anos

"(...)
- Pois eu tenho estudado muito o nosso amigo Gonçalo Mendes. E sabem vocês, sabe o Sr. Padre Soeiro, quem ele me lembra?
- Quem?
- Talvez se riam. Mas eu sustento a semelhança. Aquele todo de Gonçalo, a fraqueza, a doçura, a bondade, a imensa bondade, que notou o Sr. Padre Soeiro... Os fogachos e entusiamos, que acabam logo em fumo, e juntamente muita persistência, muito aferro quando se fila à sua ideia... A generosidade, o desleixo, a constante trapalhada nos negócios, e sentimentos de muita honra, uns escrúpulos, quase pueris, não é verdade?... A imaginação que o leva sempre a exagerar até à mentira, e ao mesmo tempo um espírito prático, sempre atento à realidade útil. A viveza, a facilidade em compreender, em apanhar... A esperança constante num milagre, no velho milagre de Ourique, que sanará todas as dificuldades... A vaidade, o gosto de se arrebitar, de luzir, e uma simplicidade tão grande, que dá na rua o braço a um mendigo... Um fundo de melancolia, apesar de tão palrador, tão sociável. A desconfiança terrível em si mesmo, que o acobarda, o encolhe, até que um dia se decide, e aparece um herói, que tudo arrasa... Até aquela antiguidade de raça, aqui pegada à sua velha Torre, há mil anos... Até agora aquele arranque para África... Assim todo completo, com o bem, com o mal, sabem vocês quem ele me lembra?
- Quem?
- Portugal.
(...)"
Eça de Queiroz
"A Ilustre Casa de Ramires"
É por esta e por outras, que, para mim, ainda está por nascer um escritor português melhor.

5 Comments:

At 6/8/05 01:43, Blogger mena said...

era um visionário, esse senhor...

 
At 8/8/05 03:11, Blogger Humor Negro said...

Subscrevo totalmente. Se bem que o MEC andou lá perto a dada altura da sua existência. Depois perdeu o gás. A TV estragou-o.

 
At 8/8/05 11:21, Blogger asterisco said...

Cogumelo:
E os relatos das sessões parlamentares? Do melhor!

T&V:
Isso é que é a parte extraordinária (e, ao mesmo tempo, a parte triste): visonário até nem era - descrevia e satirizava muito bem o que via; não houve foi capacidade para mudar...

Humor Negro:
Sim, o MEC no fim das crónicas do Expresso e no início do Independente, estava lá. Depois deslumbrou-se consigo próprio, e hoje já faz parte das pessoas sobre as quais escrevia.

 
At 9/8/05 19:27, Blogger S. said...

:)

 
At 9/8/05 20:47, Blogger asterisco said...

S.:
Poizé.

 

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