Orgulho nacional (?)
Os portugueses orgulham-se de poucas coisas. Aliás, contam-se pelos dedos duma mão as coisas das quais os portugueses se orgulham genuinamente: a sua história (mais particularmente, pelo facto de terem dado um chuto no cu aos espanhóis/castelhanos por duas vezes e pelos Descobrimentos), o Eusébio (no que deve ser o único orgulho que atravessa até as clubites) e aquela capacidade, pelos vistos muito própria, do desenrascanço.
Não há nenhum português que não incha pelo menos um pouco o peito de cada vez que tenta explicar a um estrangeiro como somos bestiais a "desenrascar", e como isso faz de nós uns tipos do caraças.
Tratamos o desenrascanço, como se fosse um bicho, que só se dá neste jardim à beira-mar plantado. Se se levar um desenrascanço para longe, ele morre; só nós é que o temos. O que até tem o seu quê de verdade: nós somos os reis do desenrascanço. Posto perante uma situação de extrema urgência, qualquer portugês minimamente decente faz do MacGyver um totó que, por algum acaso tem um canivetinho suiço. O tuga, "desenrasca-se" com uma faca ferrugenta da Benedita. O problema, é que nos habituamos tanto ao desenrascanço, que, ao contrário do MacGyver, somo nós que provocamos a necessidade de a ele termos de recorrer. Uma das nossas "virtudes", bem vistas as coisas, nada mais é do que uma boa desculpa para não planearmos nada e adiarmos tudo: "Depois a malta desenrasca-se!" E ficamos todos contentes, porque, a 10 segundos do prazo de termos de ter algo pronto, "temos a coisa desenrascada". E os nervos em franja. Mas somos uma máquina a desenrascar. Podíamos ter sido uma máquina a fazer a coisa bem feita, descansadinhos. Mas não! Porque o que nós sabemos bem, é desenrascar. No entanto, temos uma admiração bestial pelos povos que fazem as coisas bem feitas: "Uma máquina, isto. Os gajos é que sabem fazer carros!".
Em suma: o desenrascanço não é uma virtude. É um vício. O problema do desenrascanço, capacidade da qual até nos deveriamos orgulhar, é que ele devia ser a excepção e não a regra.
Sendo a regra, como acontece, não é motivo de orgulho, é de vergonha.
Mas já vem de há muito tempo, como se verificou recentemente num documento descoberto na Torre do Tombo:
- Vossa Majestade já pensou no que faremos na campanha?
- Meu caro conde, chegados a Alcácer-Quibir, logo se vê. Havemos de nos desenrascar.
- Mas Vossa Majestade tende noção que estamos em inferioridade numérica?
- Com certeza. Mas a gente desenrasca-se, vai ver.
- Mas, e se correr algo mal? Ou mouros também não são propriamente estúpidos.
- Não vai correr nada mal, descanse. Vai ver que depois desenrascamos algo.
- E que providências deverei tomar para o caso de Vossa Majestade ser tomado prisioneiro ou, Deus nos acuda, cair em batalha?
- Não se preocupe. Nada disso acontecerá. Na pior das hipóteses, serei preso, mas desenrascarei algo para me livrar do cativeiro.
- E voltareis para Portugal?
- Claro. A coberto do nevoeiro.
- Mas, Vossa Majestade, naquela zona não é comum o nevoeiro. Sereis visto!
- Meu caro conde, vai ver que desenrascarei algo.
10 Comments:
Até acho que a palavra desenrascanço não existe nas outras línguas. Assim como saudade!
Bem (re)lembrado Asterisco.
Sabes aquela máxima: bons em tudo mas especialistas em nada?
Pois é ...
Boa semana!
Just me:
Também não me lembro de existir noutras línguas. E na nossa, devia ser empregue com muito mais econimia.
Alex:
É. Como aquela ferramete bestial da Black & Decker: Faz tudo, mas não faz nada bem.
alex:
E uma boa semana para ti, também. A minha, vai ser tão boa quanto a última semana antes das férias pode ser. Hmmmmmmmmmmmmmmmm...
Já postei acerca do desenrascanço lá no estaminé, e de certa forma considero que nos habituamos a achar o desenrascanço o nosso defeitóqualidade... enfim...
1entre1000's:
Quando? Tinha curiosidade em ler isso.
Não dissertei como tu… Mas é de Outubro do ano passado dia 26. Sim é um facto e agora obrigas-me a assumir, eu não sei pôr links aqui. Sim tenho vergonha mas paciência...
1entre1000's:
Hahahahahaha!!
Fazes assim:
(a href="o endereço do link")o texto que queres que apareça "clickável"(/a). É só substituires os "(" e ")" por "<" e ">", respectivamente.
E agora, vou ver isso.
Obrigada, :)!
Bolas escusavas de digitar essa gargalhada estridente, ou melhor escrivente, ja me sinto envergonhada o sufciente pela minha ignorância... ;)
1entre1000's:
Admitir ignorância não é motivo para vergonha. Escondê-la, sim. Quem admite, acaba sempre, mais tarde ou mais cedo, por eliminá-la.
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