Wednesday 31 January 2007

Eeeeeh, coisa mais feia...


Que haja um referendo, até acho bem - acho que até deveria haver mais, mas isso, num país em que um referendo é visto como uma avaliação dum partido e não como a expressão da vontade do povo, deve ser muito difícil. Os partidos (que acabam por decidir iniciar o processo ou não) acagaçam-se - é o termo.
Seja como for, foi ontem inaugurada oficialmente a campanha eleitoral mais inútil de que me lembro; alguém acredita, sinceramente, que exista uma só pessoa que poderá mudar o voto, neste referendo em particular, com base numa campanha? A questão do aborto é de opinião pessoal, não se muda dessa opinião como quem vota PS numas eleições e depois PSD.
São 2,3 milhões de euros, que poderiam ser muito bem aplicados em tanta coisa! Lá está, porque é que esse dinheiro não aparece quando se fala em instituições de apoio a mães com dificuldades de subsistência? Aí, nem os senhores do "Não" o arranjam. Voltamos à triste comédia: "Falam, falam, falam...".
No dia a seguir ao referendo, se perderem, vão-se consolar com o facto de terem feito tudo possível para evitar que a lei fosse alterada e assim lá terão o seu quinhão no céu.
Mas não é somente em relação aos senhores do "Não" que acho que isto é uma farsa. O "Sim" não é inocente. A começar pelos que elaboraram a pergunta (que, evidentemente, são pelo "Sim").
A pergunta, tal como está, é uma maneira muito hábil de não perguntar: "É a favor da possibilidade do aborto livre até às 10 semanas?". Porque, evidentemente, ninguém é a favor do aborto. Mas lá se deu a volta à questão, pegando na lei anterior e dando-lhe a volta da despenalização.
Claro que isto tem um senão: o que acontece com as mulheres que abortam às 11 semanas (e conheço pessoalmente quem o tenha feito)? Também se vai aplicar a lei nova (se vencer o "Sim"), do modo frouxo que se tem aplicado esta? É que, se é lei, é lei. Sobretudo se referenciada pelo povo. 10 semanas são 10 semanas, não se trata da tolerância de 10% no excesso de velocidade.
Outra questão que me irrita, neste circo do politicamente correcto, é a "Interrupção Voluntária da Gravidez". Não é uma interrupção. Interrupção pressupõe um reatamento:
interrupção (Lat. interruptione), s. f. suspensão; acto ou efeito de interromper; intermissão; reticência.
Dicionário Universal da Língua Portuguesa; Texto Editora; 2ª edição, 1997
É uma paragem, um término. Ponto final, período. É um aborto.
Obviamente, argumentar que liberalizar o aborto até às dez semanas é introduzir uma forma de contracepção é uma total e vergonhosa demagogia. Arrisco-me a dizer que a enorme maioria das mulheres que irão votar "Sim" no dia 11 nunca contemplariam fazer um aborto.
O argumento de certas plataformas, como o "Assim não", também é coxo. A bem da verdade, o movimento não se deveria chamar "Assim Não", mas "Não", sem hipocrisias. Um dos argumentos principais é que, às 10 semanas, há uma vida. Concordo. Na frase seguinte, é dito que a lei que existe está bem, e que não se deve mudá-la. Expliquem-me lá uma coisa: Se a lei é boa, se existe uma vida às 10 semanas, como é que os senhores aceitam uma lei que permite o aborto de seres vivos (inocentes - outro argumento, que aceito de bom grado), em certas circunstâncias? Que culpa tem o miúdo de a mãe ter sido violada? Ou de ter um cromossoma que decidiu dançar pelo seu próprio pé? Há vida de primeira e vida de segunda? Já agora, seguindo um raciocínio mais radical: qual é a diferença de abortar um feto malformado e a de enfiar um adulto com trissomia 21 num asilo (ou, quiça, "processá-lo", como era eufemisticamente dito)? Vida é vida. O que os senhores defendem, não é o "Não" no referndo, mas o "Não", pura e simplesmente. E, se assim NÃO for, estão a trair os próprios valores.
Esta questão, pelo menos para mim, não é permeável a argumentos; é-se a favor, ou não.
Eu, pelo menos, não conheço ninguém que tenha mudado de opinião, e não conheço ninguém que queira escutar as razões do campo contrário com alguma abertura de espírito.
É como o tipo que tem uma paixão assolapada por uma miúda que tem dentes tortos, uma perna mais curta do que a outra e é vesga: arranjem lá argumentos que o façam ver que ele poderá arranjar melhor! O aborto, para devidos efeitos, tem dentes tortos, uma perna mais curta do que a outra e é vesgo.
Aliás, todo este debate, só me faz ver uma coisa: que o que tem de ser mudado, são algumas pessoas deste país e, infelizmente, não são assim tão poucas. E em de ambos os lados da barricada.
Eu cá, vou lá pôr uma cruzinha no "Sim", e depois tiro os tampões dos ouvidos - infelizmente não consigo eliminar a ofensa visual até ao dia 11 (isso chamar-se-ia, creio eu, uma Interrupção Voluntária da "Visualidez"). A mota não deixa.

12 Comments:

At 31/1/07 16:37, Blogger B-Good said...

O que mais me irrita é estar-se a tratar de alhos e insistirem nos bogalhos.

 
At 31/1/07 17:19, Blogger asterisco said...

B-Good:
Daí os tampões no ouvido.
Na ânsia de descobrirem a pólvora, já os ouvi dizer tanta merda (porque "disparates" não é suficientemente descritivo), que desligo. A pólvora, neste caso, não existe.

 
At 31/1/07 19:53, Blogger bonifaceo said...

Asterisco, foi dos melhore textos que li acerca do assunto. Foste objectivo. Pronto, eu vou votar não, e sou daqueles que falas do não não, e não só agora...

 
At 31/1/07 20:33, Blogger asterisco said...

bonifaceo:
Não tenho nada contra o "Não". Neste caso, é uma opção idefensável, tal como o "Sim" - porque é, sempre, pessoal. O que me irrita, é acharem que têm razão.
Importante é que votes e que fiques bem com a tua consciência - e ninguém tem nada a haver com isso.
1 abraço.

 
At 1/2/07 00:49, Blogger S. said...

Quer os cartazes clamem Sim ou Não, o efeito que têm em mim é só um: Recordam-me que tenho de votar no dia 11. Fora isso a minha opinião é, foi e sempre será liberdade de opção, logo, voto SIM.

 
At 1/2/07 00:50, Blogger S. said...

Por acaso, agora isto deu-me uma ideia. Por que razão não se organiza um referendo a perguntar ao povo se quer referendos?

 
At 1/2/07 03:35, Blogger bonifaceo said...

Asterisco, mais uma vez concordo 100%, é essa ideia que já tenho opinado noutros lados.
Abraço.

 
At 1/2/07 10:09, Blogger asterisco said...

S.:
Esa ideia do referendo ao referendo é boa. Mas o que é que acontece se ganhar o "Sim aos Referendos", mas houver uma abstenção superior a 50% (tornando-o, logo, não vinculativo)?
Segue-se a vontade de quem votou "Sim", ou interpreta-se a abstenção como "Não"?
Tramado, isto.

Bonifaceo:
Por isso é que eu acho que esta campanha é inútil. É só uma maneira de prolongar os 15 minutos de fama de alguns dos intervenientes.

 
At 1/2/07 10:37, Blogger 1entre1000's said...

Sabes o que eu quero mesmo mesmo mesmo? Que chegue o dia do raio do referendo, este assunto já me da voltas ao estomago...
Só para concluir excelente texto asterisco!

 
At 1/2/07 11:17, Blogger asterisco said...

1entre1000's:
Queres exactamente o mesmo que eu. Estou farto de baboseiras, e isto ainda só começou.

 
At 2/2/07 15:34, Blogger Alex said...

Sou a favor por uma vida com dignidade. Até me faz confusão ler os cartazes que por aí andam.

Sobre os meus impostos????
Prefiro financiar "clinicas de aborto" (termo utilizado nesses cartazes) com os meus impostos, do que financiar ORFANATOS E CASAS DE SOLIDARIEDADE SOCIAL ONDE AS CRIANÇAS SÃO TRATADAS MAL, SOFREM MAUS TRATOS E VIVEM INFELIZES.

DESCULPA ESTAR A GRITAR

EMOCIONO-ME SEMPRE


enfim, e há cada vez mais crianças abandonadas e mortas à nascença. O coração não bate tambem nestas idades??????


Fim à hipocrisia!

 
At 2/2/07 17:58, Blogger asterisco said...

Alex:
O apelo ao bolso é rasca, de facto.

 

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