Hamlet em Nova Iorque
Em 1969 conseguiu evitar acusações de corrupção, demonstrando, através de testemunhos de eminentes psiquiatras, que sofria de esquizofrenia, psicose, demência e várias outras doenças do foro mental. Esta estratégia, pelos vistos, foi de tal modo do agrado dele que a partir daí ele fez tal como Hamlet, que a dado ponto do enredo finge ser louco, para poder executar os seus planos sem levantar suspeitas.
Mesmo psiquiatras independentes, contratados ao longo dos anos pelo estado para o diagnosticarem, tiveram de atestar a sua insanidade.
Em 1986, Anthony "Fat Tony" Salerno foi considerado o chefe da família Genovese num processo em que era acusado de assassinato e jogo ilegal e sentenciado a 100 anos de prisão. No seguimento desse julgamento, um "arrependido", Vincent "Fish" Cafaro, um membro proeminente da família, alegou que Salerno apenas dava a cara, que o verdadeiro chefe era, desde 1981, Gigante. Acusar e condenar uma pessoa que, como Gigante, demonstrava todos os sintomas de doença mental tornou-se uma tarefa quase impossível.
Somente em 1997, e apesar de os seus advogados e vários psiquiatras continuarem a defender que Gigante era totalmente incapaz de liderar uma operação da dimensão e sofisticação de uma família mafiosa, ele foi condenado a 12 anos de prisão - safando-se, no entanto, às acusações mais graves, que lhe dariam prisão perpétua.
E só em 2003, inserido numa negociação para a redução de pena para três anos num caso de obstrução à justiça, admitiu que fingira ser louco durante mais de trinta anos.
Durante mais de trinta anos, foi visto a andar pelas ruas de robe e chinelos, a murmurar incoerentemente para si. Numa ocasião, agente federais entraram na sua casa para o intimidarem a comparecer num processo, e encontraram-no, nú, no chuveiro desligado, com um guarda-chuva. Internou-se a si próprio por 22 vezes num hospital psiquátrico entre 1969 e 1990 - Salerno, o tal que dava a cara, foi gravado uma vez pelo FBI a dizer (em inglês, que é mais "Soprano"): "If ‘Chin' gets pinched, all those years in that fuckin’ asylum would be for nothing.". O seu irmão (um padre) jurava a pés juntos que ele era louco. A sua mãe, ao saber que ele era acusado de ser chefe de uma família mafiosa, exclamou que ele só seria capaz de estar à frente de uma casa de banho pública. A última vez que foi a tribunal, entrou na sala apoiado pelo seu médico cardiologista, a olhar para todo o lado menos para onde ia, com tremuras num braço e nos lábios, tiques faciais e nas mãos, a murmurar sorridentemente incongruências.
Serve esta piquena história, para chegar à seguinte conclusão: se um tipo consegue fingir isto durante 30 anos, já imaginaram a quantidade de gajos que por aí andam a fingir que são "normais"?
14 Comments:
agora é que foi dita uma grande verdade, porque de louca e de sã também tenho a minha dose, mas de resto , mais vale não enumerar heheheh
Pois, são aqueles que realmente só conseguem estar à frente de uma casa de banho pública.
Ainda no outro dia comentava isso. Acho que no fundo somos todos um bocado loucos. Uns mais que outros, uns mais disfarçados que outros, mas todos loucos!
Até porque, convenhamos, um gajo que faz isto 30 anos, mesmo que no principio não fosse louco, acabou por ficar!
Mas alguém por aqui conhece alguém "normal"?
Isso seria um "achado" em termos ciêntificos!
Viuva Negra:
Bem, de facto, este post também foi um pouco uma auto-denúncia. Mas mais, também não digo.
S.:
Bem visto. É como quando queremos dizer que uma pessoa não tem nadinha de especial: "É um tipo perfeitamente normal.". Não há nada pior.
Just me:
Agora fizeste-me lembrar um filme (já não sei qual), sobre uma repórter que finje ser louca, para entrar num manicómio e fazer uma reportagem. No fim, já nem o redactor dela acredita nela.
The Crow:
De um ponto de vista biológico-estatístico, "normal" é aquilo que se insere na média. Será que corremos o risco de os "normais" serem os loucos?
ahahahahahahahahahahaha Tens toda a razão! Só lá ao pé de mim há uns quantos!!!!!
graças a deus, eu não tenho qualquer tipo de problema em assumir a minha normalidade - sou um espécime, até, algo superior à média no que tange à percepção, ponderação, raciocínio lógico-dedutivo e emissões aerofágicas.
Acredito, contudo, que haja quem não consiga disfarçar tão bem como eu.
Olha uma homenagem ao meu falecido Tio!!! Obrigada!! Aiii não era uma homenagem... upppsssss...
Bom regressando a normalidade: uma coisa é certa, bolas viver 30 anos com estas habilidades é obra... independentemente do intuito (bom ou mau), não é fácil... certamente
E há sempre aqueles que, entre os normais, são mais normais que os outros...respeitando a curva de Gauss :)
Patioba:
Ah pois. Porque é que isso não me custa a acreditar?
Penso Rápido:
Caramba. E eu a pensar que estavas a imitar o Vincent Gigante. Tu és bom, pá.
1 entre 1000's:
Lá isso. Estás a ver a malta que sai todos os dias para passear o cão? Já imaginas o diálogo?
- Bem, querida, tenho de ir à rua fazer de maluquinho.
- Agasalha-te, que está frio!
- Não posso, senão topam-me. Achas que use o pijama amarelo com o robe lilás, ou o pijama azul com o teu robe?
- Ó filho, sei lá. E se não usasses pijama? Podias fingir um ataque de Altzheimer!
- Boa! És a maior!
B-Good:
Desde que não invirtam a curva...
no conto o Alienista, acabam mais pessoas dentro do manicómio do que em liberdade na cidade!
Nana:
Não conheço esse. Mas não me custa a acreditar.
o limite entre a loucura e a genealidade é muito ténue!
a quantidade de doentes esquizófrénicos que têem mentes brilhantes é mais que muita!
Pinky:
Claro. Uma mente brilhante não é necessáriamente sinónimo de uma mente sã.
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