Monday, 18 July 2005

Férias

O Silva hoje está particularmente contente. Após um ano a "aturar aquelas bestas do escritório", hoje é o último dia de trabalho, antes das férias. Quinze-dias-quinze! À saída do escritório ("Centelha & Hadidi, Lda., Ar condicionado e frigorífico - Se manda brasa, não é nosso"), até consegue ganhar coragem para mandar um piropo à Dona Lurdes, recepcionista, com uma fronha que parece que conhece como único tratamento facial a repetida inserção numa Moulinex um-dois-três: "Só vou é sentir falta da sua carinha laroca!" - "Ai senhor Silva, sempre tão galante. Se eu não fosse já comprometida..." - "Se não fosse comprometida eu teria que competir com tantos pretendentes, que nem sei se conseguia!" o que provoca um encadear da senhora Lurdes comparável ao farol do Bugio, sobretudo pelo facto de ser um aviso à navegação.
Apanha o autocarro para casa, que hoje não trouxe a viatura; ontem já estava a ser cuidadosamente atulhada com o recheio da casa. Chegado à Picheleira, a casa do Sr. Silva está numa lufa-lufa: a Sra. Felismina, sogra ("raio da velha, que nunca mais estica") está a ver a novela, porque os bicos de papagaio já não lhe permitem andar muito, a Sra. Etelvina dispara de um lado para o outro, tanto quanto os bem distribuidos 104,5 quilos lhe permitem, a tentar não se esquecer de nada; O José Francisco, 9 anos, foi instruido para juntar as coisas que quer levar, e está afanosamente a tentar amarrotar os Action Mans na mochila, enquanto que o irmão, o José Leonardo (14 anos) está a tentar infiltrar as "Ginas" (que fanou no quiosque do Sr. Américo e que lhe põem as hormonas a disparar por todo o lado) no carro, sem que ninguém veja.
O Sr. Silva fica moderadamente contente com o progresso das arrumações: já só falta a poltrona favorita dele, o frigorífico, e a televisão. Mão atrás das costas, dá uma volta de inspecção ao Citroën AX, que já está à beira do colapso ("Porreiras, estas barras de tejadilho que o "Mãozinhas" me arranjou"). Um pontapé em cada roda, para confirmar a pressão ("Impéc!"), abre o capot para "verificar os níveis", mas esquece-se de o travar, o que resulta num violento embate na nuca, seguido de mais violência, desta vez verbal. Bate violentamente, claro, com o capot, e começa a mandar instruções a toda a gente, que agora ficou irritado:
"Anda lá, ó mulher, que assim nunca mais chegamos ao parque de campismo! Ó Zé Leo, que merda é que tu levas aí? Mazuqué isto?! Que porcaria é esta?! Dá cá isso, que fica con-fis-ca-do. Que porcaria.... Ó Chiquinho! Então a tua mochila?! Já tens os bonecos?! Palavra de honra, nunca pensei que o puto fosse brincar com bonecas, vamos lá a ver vamos... Ó minha sogra! Vamos lá a entrar no carro, que a senhora tem que entrar primeiro para lhe podermos pôr a poltrona ao colo! Vá vá toquem lá a mexer!!"
Meia hoa depois, com todos já instalados, o Sr. Silva dá uma vista de olhos pela casa, "não vá a mulher se ter esquecido de alguma coisa". Tranca tudo, dá mais uma volta ao bólide, acompanhada de pontapés de reverificação dos pneus ("Estes Mabores são uma pinta, qual Gudiér, qual cabaça!"), confirma que as cordas que prendem metade do recheio da casa ao tecto do carro estão bem esticadas e instala-se ao volante. Começa aqui o processo das últimas verificações: duas guinadas violentas do volante para a esquerda, seguido de duas para a direita, para "verificar a folga da direcção", pisca para a esquerda, pisca para a direita, duas coquinadas com os dedos no velocímetro ("não vá isto prender" - sábias palavras), liga o carro, manda duas pisadelas no acelerador ("é o cabo do acelerador, tem que se acamar") e estabiliza as rotações nas 4000, para aquecer o motor, o que faz disparar o alarme de poluição nos Bombeiros Voluntários de Cabo Ruivo, que, chegados ao local constatam, tal como no ano anterior, que se tinham esquecido da tradicional partida da família Silva para as férias.
O Sr. Silva, entretanto, já praticamente esqueceu a pancada na nuca, e já só pensa nos gloriosos 15 dias que vai passar no parque de campismo de Monsanto, onde tem uma roulotte há quinze anos, num espacinho só dele. Antes, porém, é necessário lá chegar, e o bólide familiar já não é o que era. Bem vistas as coisas, nunca foi, mas enfim. Ao fim de hora e meia, que a média é de 6-8 quilómetro horários, chega a primeira etapa: uma bucha, na Praça de Espanha. A Dona Etelvina estende o lençol, e começa a distribiur afanosamente as iguarias pela superfície, enquanto o Sr. Silva manda três chapadas ao "mai´novo", para ver se não fica "complemantente amaricado, o raio do miúdo". Após meia dúzia de pastéis de bacalhau, dez croquetes e quatro sandes mistas, regadas com uma boa parte do conteúdo do garrafão, o Sr. Silva ordena a trupe toda de volta ao automóvel, atira com a poltrona para o colo "da velhota", dá uma volta ao carro (4 pontapés, tudo "Impéc! Os Mabores são do caraças!") senta-se e dá início às verificações da praxe. Pelo meio, obriga a toda a gente a saír, que se esqueceu de verificar a suspensão: carrega violentamente em cada um dos quatro cantos do carro, o que o faz baloiçar perigosamente. Instala-se tudo de novo e atira com a poltrona na velha (o que, devido em parte ao estado semi-ébrio no qual já se encontra, lhe dá um gozo bestial).
A viatura familiar , nesta etapa, é obrigada a demonstrar todas as suas qualidades, porque chega à subida da autoestrada, o que lá consegue dominar, mas demora 45 minutos. O Sr. Silva farta-se de elogiar os Mabores, que "qualquer outra merda estangeira..." - "Olha como falas, Alberto, olhas os miúdos!" - "...não m'interrompas quandotou a falar! Qualquer merda estrangeira patinava por aqui que era uma beleza! E só me custaram 60 Órós!".
Chegado ao cimo da subida, mais por obra e graça de Deus do que do exausto 1.1 debaixo do capot, já se avista a cerca do parque.
Já o Sr. Silva se imagina no Parque, quando, a seguir à curva à direita, é mandado parar por um bigode da GNR. Baixa o vidro; "Ora muito boa tarde, os documentos fáchavor." - "Sr. Alberto Silva, não é? Isto está assim um pouco sobrecarragadozito, não?" "Ó Sr. Agente.." "Agente não, Guarda!" "Sissenhor guarda, é só até aqui ao parque de campismo..." "O senhor ingeriu alcoól?" "Nem pense, sôguarda, não faço disso, só bebi um bocadito, sabe, os pastéis estavam um pouco sequitos, sabe como é que é..." "Bom, sopre lá aqui, força, força, força, 'tá bom... olhe que vou ter que o autuar!" "Vá lá, que ainda pensei que me fosse dar uma multa...". Quinze minutos depois, ainda sem saber porque é que afinal tinha levado com uma multa "'Tava-se mesmo a ver que o gajo andava à caça das multas! E ainda me ficou com os cinco Óros que deixo sempre entre o papéis do carro, que eu não sou parvo!" "Ó pai, mas se levaste uma multa e ficaste sem eles, foste um pouco parvo!", o que é seguido de um violento e repetido movimento em leque do braço do Sr. Silva para as traseiras do bólide, atingindo todos os três ocupantes, e lançando a poltrona, que o João Francisco lhe tinha retirado, para a aliviar um pouco, de volta ao colo da sogra.
Chegados ao local de férias, o Sr. Silva ordena todos para fora do carro, a toque de caixa, que ainda se vai ter que montar o avançado da roulotte. Num último esforço ainda consegue subir ao pinheiro vizinho, para aí instalar a parabólica, que vai dar a bola na Sport TV às nove. Depois colapsa debaixo do pinheiro, não sem antes ter ido à casa de banho, estudar o material previamente confiscado.
Começaram oficialmente as férias da família Silva.

12 Comments:

At 18/7/05 20:28, Blogger nana said...

Vim cá e nada.
Tornei a cá vir e nada.
Quando vim pensei: Deves ter trabalhado muito, deves.
E agora finalmente, já havia novidade.
Agora, depois de ler este início de férias dos Silvas, acho que valeu a espera.
Portanto eu tinha razão, deves ter trabalhado, deves!!!!

 
At 18/7/05 20:30, Blogger S. said...

Ui, que comprido! leio amanhã que agora tou com fome.

 
At 18/7/05 20:42, Blogger asterisco said...

Nana:
Por acaso, estava cheio de trabalho, só pude mesmo deitar posta na gralha ao finzinho da tarde.

S.:
Saiu um pouco grande, saiu. Bom apetite.

 
At 18/7/05 21:16, Blogger Indibiduo said...

Bolas, não havia maior? Volto depois do café!

 
At 18/7/05 21:32, Blogger asterisco said...

Pois. Este é de digestão mais difícil. É o que acontece quando não se faz rascunhos ou se edita... Não me consigo habituar a planear a coisa.

 
At 19/7/05 01:40, Anonymous Anonymous said...

uffffff tá lido! A saga da familia Silva por acaso não foi copiada dos meus vizinhos, foi?
(Já agora e se não for abuso, fazias o azequébio ou obséquio de linkares a minha tasca no singular?)
Abraços

 
At 19/7/05 09:54, Blogger Patioba said...

Ó pá... tu conheces os Silvas..... :D:D:D:D

 
At 19/7/05 10:10, Blogger asterisco said...

Míscaro:
Pronto, vou tentar resumir-me um pouco, para a próxima. Já te corrigi.

Patioba:
Toda a gente conhece os Silvas. Eles andem aí.

 
At 19/7/05 10:26, Anonymous Anonymous said...

Muito agradecido pela atenção dispensada :)
Não resumas :) Se a leitura destes textos fosse saturante mas não é ;)
Abraços

 
At 19/7/05 11:40, Blogger asterisco said...

Míscaro:
Fica aqui registada a minha penitência por tão crasso erro.
Ainda bem que gostas assim. Também te digo, que me dá gozo escrever as postas de uma vez; se tiver que editar, reescrever... epá isso é quase trabalho...

 
At 22/2/07 15:59, Anonymous Anonymous said...

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At 6/3/07 23:00, Anonymous Anonymous said...

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