Quinta-feira, 18.30. O Zé Carlos tinha tudo a postos; numa última revisão, desacertou convenientemente o guarda-roupa especial para a ocasião, bem como o seu cabelo. Claro que faltava a protagonista principal do dia, cuidadosamente preparado desde que tinha descoberto, através duma inconfidência da Maria do Céu, que o namorado da sua Susaninha, de ternos quinze anos, iria naquele dia pela primeira vez lá a casa. A Susaninha, conhecendo o seu pai, lá tinha as suas razões para não querer que este soubesse de nada, até ao dia em questão.
Dez minutos antes da hora combinada, o Zé Carlos levantou-se do sofá, já com o nervoso miúdo da antecipação, coçou a barba de três dias (tinha-a deixado crescer de propósito para aquela ocasião, e não se conseguia habituar à estopinha, mas ia valer a pena, oh lá se ia!), dirigiu-se ao armário da sala e retirou, cuidadosamente, a caçadeira que tinha pedido emprestada ao irmão, juntamente com o kit de limpeza.
Por alturas da entrada da Susaninha com o namorado, ele já estava instalado.
A figura era, no mínimo, apocalíptica; estava um homem todo desgrenhado, com barba por fazer, de boxers, camisa de mangas à cava e peúgas brancas sentado na poltrona do pai, a limpar uma caçadeira! Só à segunda, terceira, a Susana percebeu o que se estava ali a passar: ele sabia! Ele tinha conseguido descobrir! E ela sabia quem era a culpada!
- Oh, mããããããããeeeeeee!!!!!
- Isso, filha, vai lá ter com a tua mãe, ajudá-la no comer, que eu quero é falar aqui com o meu futuro genro. Hehehe... Anda cá, puto, senta-te aqui! Então, como é que te chamas?
- Eeeeehhhmmm, João, senhor...
- João, hã? Muito bem. Oh Susana! Já te disse! Vai ajudar a tua mãe! Já!!! Antes que leves uma chapada! Ora, onde é que nós iamos... ah, sim. João. Ssssssiiiiim senhor, muito bem. Então e tu gostas da minha Susaninha, é?
- Mmmmhhh, nós somos amigos...
- Ah, pois, amigos. Então e conta-me lá, o que é que tu gostas de fazer, João, hã?
- Bem, eu gosto de futebol e...
(Retomando a limpeza entusiástica do cano da caçadeira)
- Ah, pois, bola. Olha, eu cá, gosto de mandar uns tirinhos. Amanhã, vou serrar os canos aqui à Matilde. Isto faz cá uns estragos, puto!! upa upa!!! Vai ser cá um estrondo!! Buuuuuummmm!
- Ah, pois.... Talvez eu devesse ir ajudar a Susa...
- Deixa-te lá disso, puto!!! As mulheres governam-se lá na cozinha. Nós homens temos de zelar por elas e elas tratam do comer e da roupa. Eu cá, é assim: à mínima ameaça, deixo a Matilde falar por mim.
- João! Vamos embora! O cinema começa daqui a nada!
A Susaninha espumava da boca de fúria. Ninguém merecia aqueles pais! Ninguém!
- Ah. pois. O cinema. O sr. desculpe-me, mas temos mesmo de ir andando.
- Ora essa! Não ficam para a janta?! Que raio de tempos, que um tipo nem pode conhecer melhor a sua futura família! Bom, então vão lã! Mas...
(afagando a caçadeira, com um certo brilho nos olhos)
-...vejam lá!! E tu, puto, não me tragas a minha florzinha muito taaaaarde!
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- Não achas que exageramos?
- Qual quê! Daqui a uns anos, vai-se rir a bandeiras despregadas! Agora vou fazer esta merda de barba, que isto incomoda como o caraças!
- Oh pá, nem eu te reconheci! Aquelas peúgas, foi o toque de génio.
- Hehehe. Safei-me bem, não foi?
- Ela está fula, pá. Acho que lhe estragamos o arranjinho.
- Pf. Esses contentores ambulantes de hormonas desgovernadas, quero-os longe dela durante o máximo do tempo.
- E se não resultar?
- Dou-lhe mesmo um tiro! Hahahahahaha!
- Hahahahahaha!!!!