Visitantes são informados, que no Reino Unido o trânsito é efectuado pelo lado esquerdo da via. No interesse da segurança, é aconselhado a praticar a condução pela esquerda no seu país de origem uma ou duas semanas antes de conduzir no Reino Unido.
Conselho do Ministério dos Transportes do Reino Unido
Ou seja, em palavras que todos percebem: no interesse da NOSSA segurança, faça lá os disparates no seu país, antes de vir para cá.
Seja como for, e
já que fui picado, lá me pus à procura: porque diabo é que há países que conduzem do lado esquerdo da estrada?
O facto é que, no passado, quase toda a gente circulava pela esquerda da estrada. Numa sociedade feudal e violenta, na qual a utilização de armas era completamente liberalizada, esta era a opção mais lógica: com a maioria das pessoas a serem dextras, o utilizador duma espada preferia ficar à esquerda, de modo a ter o seu braço direito mais próximo dum adversário. Além do mais, evitava que a sua espada, usada à esquerda, batesse em alguém.
Depois havia a questão de uma pessoa dextra ter mais facilidade de montar um cavalo pelo lado esquerdo. Pelo outro lado, seria uma dificuldade acrescida fazê-lo, de novo devido à espada usada do lado esquerdo. Como também era mais seguro montar um cavalo pelo lado do passeio, em vez de pelo centro da estrada, fazia todo o sentido andar a cavalo pelo lado esquerdo.
Para o fim do séc. XVIII, comecou a usar-se carroças maiores do que até aí eram comuns, para transportar produtos agrícolas, sobretudo em França e nos Estados Unidos. Essas carroças eram puxadas por várias parelhas de cavalos, e não tinham assento para o condutor; este sentava-se no último cavalo à esquerda, de modo a permitir-lhe ter o seu braço direito, que segurava o chicote, a meio das parelhas. Como estava sentado à esquerda da carroça, naturalmente queria que o restante tráfego passasse à sua esquerda, de modo a poder mais facilmente evitar que algo se prendesse nas rodas. Portanto, passou a conduzir pela direita da estrada.
A Revolução Francesa de 1789 também alterou o panorama em vigor até então: antes da revolução, a aristocracia utilizava a esquerda da estrada, forçando a população comum para a direita. Mas após a tomada da Bastilha, a aristocracia tomou por bem baixar a bolinha, e juntou-se à plebe que ia pela direita.
Em 1794 foi introduzida oficialmente a regra da circulação pela direita em Paris, sendo que, já um ano antes, esta regra tinha sido legalmente fixada na Dinamarca.
As conquistas de Napoleão transpuseram esta regra para outros países: a Bélgica, a Holanda, o Luxemburgo, a Suiça, a Alemanha, a Polónia e Rússia e algumas partes de Espanha e da Itália. Os países que resistiram aos franceses, mantiveram a circulação pela esquerda: a Inglaterra, o império Austro-Húngaro e (tcha-tchaaaammmmm) Portugal. E assim ficou, durante mais de cem anos, até ao fim da Primeira Guerra Mundial.
Após a guerra Russo-Sueca de 1808-1809 a Suécia (que circulava pela esquerda) teve de ceder a Finlândia à Rússia, mas só cinquenta anos depois foi imposta a circulação pela direita nesse país, através dum decreto imperial. A Suécia, anterior dona da Finlândia, manteve a circulação pela esquerda.
Na Grã-Bretanha, foi tornada lei a circulação pela esquerda em 1835, bem como em todas as suas colónias. Daí a Índia, a Austrália e as antigas colónias inglesas africanas conduzirem à esquerda. Somente escapou o Egipto, que sempre conduziu pela direita, porque, antes de passar para o domínio ingleses, tinha sido uma possessão de Napoleão.
No Japão, também se conduz pela esquerda, apesar de nunca ter sido parte integrante do Império Britânico. Desde o período Edo (1603-1867) que essa era a prática, mas só em 1872 se tornou uma regra. Este foi o ano no qual a primeira linha de comboio foi introduzia, com recurso a tecnologia inglesa - a circular pela esquerda, portanto.
O domínio dos ingleses na tecnologia dos caminhos de ferro, na fase inicial destes, é também a razão pela qual em muitos países que circulam pela direita, os comboios circularem pela esquerda - até a França, por sinal (com excepção da Alsácia, cujos caminhos de ferro foram construidos pela Alemanha, na altura em que a Alsácia-Lorena era alemã - na Alemanha, os comboios circulam pela direita).
Os holandeses introduziram nas suas colónias o hábito de conduzir pela esquerda (a Indonésia e o Suriname, p.ex.), mas, no seu país de origem, foram obrigados a mudar para a direita com Napoleão. As suas colónias, no entanto, mantivera o hábito antigo.
Nos Estados Unidos, a mudança para a condução à direita foi uma consequência directa da sua independência - uma reacção aos costumes na antiga potência dominadora - bem como da sua aproximação, durante e depois dessa luta, à França (a Estátua da Liberdade é uma oferta dos franceses aos americanos, p.ex.). A cidade na qual se assinou a Declaração da Independência, a Pennsylvania, foi a primeira cidade a tornar madatória a circulação à direita, sendo seguida por outras cidades, num curto espaço de tempo.
Em partes do Canadá, ainda se conduziu pela esquerda durante muito tempo; na zona controlada pelos franceses, ia-se pela direita, no restante território, inglês, pela esquerda. Os últimos território canadianos a mudarem para a direita, somente o fizeram após a Segunda Guerra.
Em Portugal, mudou-se para a condução pela direita nos anos vinte. Foi zás-trás-catrapás, tudo num dia, tanto em Portugal continental, como nas colónias (aliás: "províncias ultramarinas"...). As colónias que vizinhavam com países de condução à esquerda, podiam, no entanto, manter o
status quo, razão pela qual Macau (por causa da China), Goa, Damião e Diu (por causa da Índia) e Moçambique (por causa da África do Sul) nunca o fizeram. Em Timor-Leste, vizinho da Indonésia que conduz pela esquerda, mudou-se, no entanto. A Indonésia é que alterou isso, quando invadiu o território em 1975. Francamente, não sei como é hoje em dia.
Em Itália, mudou-se definitivamente para a condução à direita nos anos vinte.
Em Espanha, como consequência das invasões napoleónicas, havia zonas do país que conduziam pela esquerda (Barcelona, p.ex.), e outras pela direita, como Madrid. Tambem aí, foi uniformizado tudo nos anos trinta, para a condução pela direita.
Um país curioso foi a Áustria. Após o colapso do Império Austro-Húngaro, já no séc. XX, a Áustria ficou dividida: uma metade conduzia à esquerda, a outra à direita, sendo que a linha divisória era precisamente a linha até à qual tinham chegado os soldados de Napoleão, um século antes.
Com a anexação da Áustria por Hitler em 1938 passaram todos a circular pela direita, o que veio posteriormente a acontecer também no resto dos países do ex-Império Áustro-Húngaro (Checoslováquia e Hungria) mal foram invadidos, e que se tinham mantido à esquerda.
No pós-guerra, com a emergência da indústria automóvel, especialmente da americana, que construia os carros com volante à esquerda, muitos países passaram a circular pela direita devido à importação vinda da América do Norte.
O Paquistão, ex-colónia inglesa, pensou em mudar a circulação para a direita, mas desistiu disso por uma razão curiosa, que faz lembrar um pouco o ditado do burro velho que não aprende caminho: as caravanas de camelos, muito comuns naquele país até hoje em dia, viajavam dia e noite, e, quando andavam de noite, os guiadores iam frequentemente a dormitar. Como não foi possível ensinar o novo truque da circulação pela direita aos camelos mais velhos, ficou-se pela esquerda.
O único domínio inglês a conduzir pela direita, é Gibraltar.
A Suécia foi o último país do continente europeu a mudar, quando, já bem depois do fim da Guerra, e com o crescimento do parque automóvel, se começaram a suceder os acidentes nas zonas fronteiriças, que em grande parte não eram assinaladas nem tinham guardas, o que fazia as pessoas passarem, se darem por isso, a andar ao contrário. Fez-se um referendo em 1955, e, apesar de a esmagadora maioria da população ter votado contra a mudança (mais de 80%!), em 1963 passou-se uma lei a ordená-la, passando a Suécia a conduzir pela direita quatro anos mais tarde. A Islândia seguiu-se um ano depois.
Nos anos 60, até a Inglaterra brincou com a ideia de mudar, mas os conservadores conseguiram manter a sua tradição.
Outro argumento, a roçar a teoria da conspiração, é os ingleses terem mantido a circulação à esquerda, por razões economico-estratégicas: como tinham uma indústria automóvel (ainda) florescente, e para a proteger das investidas estrangeiras, continuaram a circular pela esquerda. Como construiam naturalmente carros com volante à direita, os carros deles ficavam mais baratos do que os dos outros construtores, que tinham de mudar propositadamente os volantes da esquerda para a direita. Como em boa parte do Commonwealth se conduz à esquerda, e a maioria dele ser constituido por países com pouca indústria automóvel (salvo a Austrália), isto até lhes garantia uma mercado de exportação. Facto é que a General Motors mantém em Inglaterra uma das suas maiores fábricas, a Vauxhall, exclusivamente para fabricar carros preparados para a condução pela esquerda.
Na Europa, hoje em dia, só se circula pela esquerda em quatro países: no Reino Unido, na Irlanda, em Chipre e em Malta.
Curiosamente, os pedais nunca são invertidos. A sequência é sempre, independentemente do lado do volante do carro, acelerador-travão-embraiagem, da direita para a esquerda. Esta convenção foi acordada, para evitar uma excessiva reeducação dos condutores "continentais" que aluguem um carro em Inglaterra, p.ex. E, como as transmissões dos carros são sempre as mesmas, por razões de custos, a disposição das mudanças é igual, ou seja: se num carro de volante à esquerda a marcha-atrás é para trás á direita, no mesmo carro, mas de volante à direita sê-lá-a á direita para trás.
Uma curiosidade vinda do Japão: apesar de conduzirem pela esquerda, é considerado sinal de riqueza a condução de carros ocidentais com volante à esquerda. Importar um Mercedes da Europa, não só é ser dono do "artigo genuíno", sem alterações, como é substancialmente mais caro do que comprar o Mercedes "japonês". Fino, portanto.
A maioria do paleio daqui, foi lido no
Worldstandards e na
Wikipedia. A teoria da conspiração sobre a indústria automóvel inglesa é da minha safra, mas não disputo que não haja por aí alguém tão retorcido como eu.
E pronto. Mais um testamento.
Ficaste esclarecida? Eu, em contrapartida, fiquei a saber mais uma coisa do rol das temáticas para mesas de casamentos nas quais não se conhece ninguém.